Neste dia em que se celebra a Mãe, não posso deixar de fazer uma pequena, mas muito sentida homenagem à minha querida e saudosa mãe. Foi, desde criança, a mais forte dos três filhos. Como mais velha, foi o grande apoio da minha avó que nela delegava tarefas várias, algumas bem ingratas. A família vivia com o magro ordenado de funcionário público do meu avô que contava com a ajuda da minha avó que, estando em casa trabalhava intensamente até altas horas da madrugada, fazendo o que sabia: rendas, tricô e outras prendas daquela época. Viveram as restrições da 2ª guerra mundial e era ela, a minha mãe, que era enviada para as filas com as senhas de racionamento. Era ela que transportava bilhetes com pedidos de ajuda ao tio mais velho, irmão da mãe. Segundo ela, custava-lhe muito esta tarefa. Adoeceu gravemente com uma pleurisia, talvez por causa de uma deficiente alimentação, fruto dos tempos que se viviam.
Quantas foram as vezes que. altas horas da madrugada, tinha que sair em busca de uma enfermeira, para que estancasse o sangue à mãe que talvez pelo cansaço, se soltava do nariz, numa torrente assustadora. Começou a trabalhar ainda estudava. Propôs ao então diretor da escola industrial. abrir o curso comercial para raparigas, em Portalegre, onde nasceu e viveu até casar. Conseguiu, mais doze raparigas e assim abriu o curso comercial feminino em Portalegre. Os meus avós não a conseguiam manter num curso fora da cidade. Gostava de estudar, nunca reprovou e era uma trabalhadora incansável.
Depois casou e outra fase começou, não menos dura, que os tempos não eram fáceis. Em Lisboa viveu momentos de grande aperto e solidão. O meu pai ainda permaneceu em Portalegre e ela a viver em casa de uns tios do meu pai, no Largo do Conde Barão, durante quase um ano. Muitas vezes a ouvi contar: " No princípio queria que houvesse um túnel onde me metesse para ir para o trabalho". O bulício da grande capital era ainda uma surpresa pouco agradável. Valeu-lhe uma tia irmã da mãe, em algumas situações, já depois de eu nascer. Por sorte a sua, vivia duas portas acima da repartição onde trabalhava para o ministério das obras públicas, na rua Ferreira Lapa, muito perto das instalações da Polícia Judiciária. Era a sua confidente e grande apoio moral. Uma boa alma esta minha tia-avó, de quem tenho muitas saudades e a quem estendo esta pequena homenagem. A minha mãe era uma lutadora e posso até dizer, uma sacrificada. Em solteira foi o grande apoio dos pais, pois era a filha mais velha. Ainda a estudar, dava aulas a adultos e o seu primeiro emprego foi na famosa e ainda hoje mundialmente conhecida, fábrica dos tapetes de Portalegre, em funções relacionadas com os desenhos das tapeçarias e de todo o processo de conversão das pinturas, para que os tecelões as pudessem reproduzir por meio dos fios.
Após o meu nascimento mudaram-se para um andar por trás da fonte luminosa, na alameda Afonso Henriques, cuja renda lhes levava o seu ordenado, O meu pai, professor do ensino básico, outro moiro de trabalho, dava aulas à noite e explicações. Assim conseguiam ter uma empregada para tomar conta de mim, porque, naquela época, os jardins de infância eram escassos e caros.Um dia, na segunda semana do Totobola, saiu-lhes o 1º prémio: mil novecentos e tal escudos, precisamente o que lhes estava a faltar para a renda! Foi uma grande alegria e deu-lhes um novo alento.
Além de ser uma belíssima desenhadora, tinha começado por ser datilógrafa e, assim, para ganhar mais algum dinheiro, fazia trabalhos em casa e trabalhou e em ateliers de arquitetura, Enfim, uma vida de trabalho e canseiras. Depois, anos mais tarde, veio a reforma que lhe deixou tempo para tomar conta da casa, cantar num grupo coral, fazer algum teatro, que aliás já tinha feito em solteira e para a mais grata das atividades que foi tomar conta do primeiro neto, por quem tinha o amor incondicional. Já com os netos crescidos, a dedicação maior era ao meu pai, que, adoeceu gravemente. Depois da primeira intervenção cirúrgica, era a minha mãe a sua enfermeira. Abnegadamente dedicou~se inteiramente ao apoio ao meu pai que veio a recuperar completamente, não sem que, ainda durante este período, ela própria adoecesse e viajasse para uma outra dimensão, deixando uma grande dor em todos nós, pela surpresa da gravidade da doença, repentina e que, em seis meses, a tirou das nossas vidas, no dia 9 de outubro de 2003, quatro dias após o seu 68º aniversário.
Sinto hoje, ainda, quase treze anos passados, uma grande saudade e uma revolta que ciclicamente se revela e me conduz a momentos de tristeza e solidão. De minha mãe sentirei sempre a ausência. A sua imagem estará sempre na minha memória e os seus ensinamentos presentes na minha vida diária. Os seus desejos e preocupações transferidos e sentidos por mim, como se esse facto pudesse perpetuar a sua memória e o amor e a gratidão que eternamente terei por ela.
Obrigada querida Mãe, por tudo o que me deste!
M. Dulce Branquinho