Sonetos de Florbela Espanca


Árvores do Alentejo
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não chorais! Olhai e vêde;
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!


Languidness by Rafael Soriano
           Languidez
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo! 


Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...

Amar!
    Eu quero amar, amar perdidamente! 
Amar só por amar: Aqui... além... 
                  Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
  Amar! Amar! E não amar ninguém!

   Recordar? Esquecer? Indiferente!...
        Prender ou desprender? É mal? É bem?
       Quem disser que se pode amar alguém
        Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida: 
É preciso cantá-la assim florida,
            Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

         E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
      Que seja a minha noite uma alvorada,
             Que me saiba perder... pra me encontrar... 

A uma rapariga
A Nice

Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.
 

Nessa estrada de vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
 Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!



Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela



Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova

Surgir à luz a haste de uma flor!...

                                   
Florbela Espanca






Frémito do Meu Corpo a Procurar-teFrémito do meu corpo a procurar-te, 
Febre das minhas mãos na tua pele 
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, 
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te, 

Olhos buscando os teus por toda a parte, 
Sede de beijos, amargor de fel, 
Estonteante fome, áspera e cruel, 
Que nada existe que a mitigue e a farte! 

E vejo-te tão longe! Sinto tua alma 
Junto da minha, uma lagoa calma, 
A dizer-me, a cantar que não me amas... 

E o meu coração que tu não sentes, 
Vai boiando ao acaso das correntes, 
Esquife negro sobre um mar de chamas... 

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"


A Tua Voz de Primavera
Manto de seda azul, o céu reflete 
Quanta alegria na minha alma vai! 
Tenho os meus lábios úmidos: tomai 
A flor e o mel que a vida nos promete! 

Sinfonia de luz meu corpo não repete 
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai! 
Iguala o sol que sempre às ondas cai, 
Sem que a visão dos poentes se complete! 

Meus pequeninos seios cor-de-rosa, 
Se os roça ou prende a tua mão nervosa, 
Têm a firmeza elástica dos gamos... 

Para os teus beijos, sensual, flori! 
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, 
Só me exalto e sou linda para ti! 

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"